quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A FELICIDADE MODERNA: UM NOVO MODO DE VIDA



Nossa concepção moderna de felicidade está enraizada no utilitarismo: máximo de felicidade para o maior número de pessoas. Na essência desta definição se inclui algo ausente nos antigos: o bem-estar. Com o nascimento da moderna burguesia, que se opõe tanto ao luxo excessivo da nobreza como à rudeza da vida medieval, nascendo a preferência pela comodidade. O gosto pelo bem-estar, segundo Tocqueville, é a paixão democrática por excelência, paixão pela qual se sacrifica tudo, incluindo a paixão pela liberdade. Popularizamos tanto esta idéia que a confundimos com felicidade. A aposta estóica de se reduzir, evitar as dores, não exigir nada recebe uma resposta por parte dos economistas de hoje: vamos comprar. consumir; a felicidade está aí, ao alcance da nossa mão.
Frente a esta visão de felicidade, relacionada sempre com o cumprimento dos desejos, vivemos hoje um paradoxo: os sonhos de uma geração, considerados por nossos ancestrais como uma utopia já realizada, aviões que cruzam os céus, tecnologia, comunicações, higiene, medicina especializada, aparece hoje na ordem do adquirido, da decoração cotidiana e portanto, não mais ocasião de desejo. Parece que a felicidade não se acomoda ao cotidiano e que diante do bem-estar estamos sempre numa relação contraditória: nós o consideramos como uma coisa que existe e ao mesmo tempo como uma exigência perpétua. O bem-estar, pelo menos na aposta da maioria das sociedades ocidentais, deve se transformar sempre em melhor-estar. A felicidade foge pelos mesmos caminhos pelos quais pretendemos encontrá-la: se dura se dilui na vida cotidiana; bem-estar e tédio são apenas duas faces da mesma moeda.
Nossas sociedades de bem-estar consomem como nenhuma antes o fez na história da civilização. Vivemos no reino da inovação permanente, no reino do consumo inovador, no reino da diversão obrigatória. Conseqüentes com os grandes mercantilistas da história, os comerciantes de hoje sabem que a infelicidade é inimiga do negócio. Esta não é uma idéia nova: muito antes do que a mercadotecnia existisse como disciplina administrativa, Veneza entendeu muito bem a importância do ambiente para o consumo. Veneza, a Sereníssima, a cidade dos grandes palácios, da luz rosada, da quietude, da beleza, da segurança e da paz, é a antecessora por antonomásia de nossos modernos parques de diversões e shoppings.
Por outro lado, a idéia de que a felicidade é adquirida com esforço e trabalho, herdada da moral tradicional , que é um prêmio ao cumprimento do dever, ao sofrimento necessário e trabalho da vida, transformou homens e mulheres do século XXI em seres esquizofrênicos. Vivemos de segunda-feira a sexta-feira para trabalhar. Nestes dias nosso paradigma é a competitividade, a formalidade, a seriedade e a ordem. Sexta-feira à noite, começa o lazer, a diversão e os valores se transtornam: noctívagos preguiçosos mergulhamos numa voragem de prazer ―leg ítimo, pois é merecido. Em poucas palavras, quanto ao nosso projeto de vida, somos estóicos e kantianos durante a semana e hedonistas e cínicos aos sábados e domingos. 


Marta Petersen